Por Flávia Longo
Este
é o sexto de uma série de textos sobre algumas das relações que se
estabelecem entre dinâmicas de população, estudos demográficos e
questões educacionais. Hoje a ideia é problematizar a noção de bônus
demográfico.
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Muito
provavelmente você já ouviu a expressão “bônus demográfico”. Se você
passou recentemente pelo Ensino Médio, deve ter visto nas aulas de
Geografia ou de Sociologia, talvez associado à aula sobre Transição
Demográfica. Se você já saiu da escola há um tempinho, deve ter se
deparado com o bônus em alguma conversa ou talvez tenha lido em alguma
matéria sobre a Previdência Social.
Mas, do que se trata mesmo esse bônus?
Existe
um momento único da história de uma população em que a proporção de
crianças e idosos é menor quando comparada à população de jovens adultos
e adultos. O número de crianças diminui devido à queda da fecundidade e
o grupo etário dos mais velhos, em função do aumento da expectativa de
vida, vai crescendo em menor ritmo. Isto significa dizer que durante
algumas décadas a população terá mais pessoas em idade potencialmente
produtiva e menos em idades consideradas dependentes.
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Você sabia que existe envelhecimento populacional relativo e envelhecimento absoluto?
O
envelhecimento absoluto é o mais intuitivo e trata-se do aumento da
média de expectativa de vida. O envelhecimento relativo, fruto da queda
da fecundidade, é quando o peso proporcional dos idosos é maior em
relação ao restante da população.
Fonte da imagem: http://www.revistapanoramahospitalar.com.br/2013-10-conahp-debate-envelhecimento-populacional-nesta-semana-746
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Para
efeitos de cálculo, assume-se o grupo de crianças e adolescentes (0-14
anos) e de idosos (65 anos ou mais) como a parcela dependente da
população e toma-se o grupo etário intermediário (15-64 anos) como a
população em idade ativa ou que, teoricamente, teria condições de
perfazer a força de trabalho. O professor José Eustáquio Diniz Alves
(ENCE/IBGE) nos lembra que essa divisão é arbitrária. Existem outras formas de mensurar o bônus demográfico, dentre elas, a estimativa por meio da razão entre produtores e consumidores.
Quando
a proporção de pessoas no grupo de 15-64 anos é maior do que os outros
dois juntos (0-14 e 65+) ocorre a então denominada janela de
oportunidades demográfica. Essa ideia foi trabalhada pelos professores
Laura Wong e José Magno de Carvalho (CEDEPLAR/UFMG) no texto que hoje é
referência para muitos demógrafos: “Uma janela de oportunidades: algumas implicações demográficas e socioeconômicas do rápido declínio da fecundidade no Brasil” (tradução livre).
De
janela de oportunidades para bônus demográfico, está implícito que esse
momento populacional teria uma conotação positiva. A palavra
“oportunidade” vem da expressão ob portus - os ventos
favoráveis que auxiliavam as embarcações a atracarem em seu porto de
destino. Ou seja, esse momento populacional configura uma situação
favorável, sobretudo para o crescimento econômico e para o ajuste do
sistema previdenciário.
Mas,
há que se relativizar o atributo de bônus. A ideia de bonificação
pressupõe que toda a população ativa esteja em condições de produzir e
gerar riquezas. Podemos nos questionar, principalmente, a definição de
idade produtiva para o intervalo de 15-64 anos. Quantos desse grupo não
estão tendo condições de trabalhar? Quantos aposentados permanecem no
mercado de trabalho, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir
as despesas? E quantos permanecem porque são extremamente saudáveis e
ativos? Quantas crianças e adolescentes precisam conciliar escola e
trabalho para ajudar no sustento familiar?
Além
da dimensão econômica, a ideia de aproveitamento do bônus também
perpassa outras questões. Nossa proposta aqui é explorar um pouco a
relação com a Educação. Dentro de uma lógica neoliberal, podemos pensar
que a escolarização é pré-requisito de qualificações exigidas pelo
mercado de trabalho. Ainda que a escolaridade não seja mais garantia de
ocupação no mundo do trabalho, não tê-la pode caracterizar uma situação
ainda mais complicada... Outro aspecto a ser mencionado é o tipo de
ensino ofertado. A quem se destinam as vagas nos cursos técnicos? E no
Ensino Superior? Será que o bônus não teria também suas desigualdades
internas?
Quando
pensamos em bônus, pensamos também no potencial da população de
adolescentes e jovens. Para que isso se converta em força de trabalho
(qualificada) é preciso, antes de mais nada, que essas pessoas estejam
vivas. Pode parecer cômico, até mesmo óbvio. Mas, o aproveitamento do
bônus requer também que olhemos para as estatísticas de violência e de
mortalidade, sobretudo, dentre os jovens. Por exemplo, em trabalho sobre
o México, o pesquisador do Colégio do México (COLMEX), Victor Guerrero indicou que o bônus mexicano tem sido perdido para o narcotráfico.
Bourdieu disse que juventude é apenas uma palavra.
E como tal, seu significado muda de acordo com o contexto histórico.
Hoje, a juventude é também um segmento etário que define, por exemplo, o
direcionamento de políticas públicas. E em se tratando de bônus, é
preciso uma análise mais compreensiva e abrangente acerca da condição
juvenil. Não apenas capacitá-los para ocuparem uma posição no mercado de
trabalho (e de consumo) – ou garantir que o mercado tenha condição de
absorvê-los. É preciso ainda ouvir suas demandas, mesmo que elas estejam
nas entrelinhas. No entanto, as estatísticas mostram: a primeira delas é o direito à vida. Com alguma dignidade, se possível.
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No Brasil a janela de oportunidades está prevista para começar a se fechar a partir de 2030,
que é quando a proporção de idosos começa a crescer em relação ao
restante da população. Há ainda pesquisadores que tratam da existência
de um segundo bônus demográfico, proveniente da melhoria das condições
de vida, que permitiria um maior tempo de vida produtiva. Diferente do
primeiro, o segundo bônus não teria prazo para terminar.
Fonte da imagem (image source): http://www.csstoday.com/Item/538.aspx
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Para saber mais:
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Flávia
Longo é mestre e doutoranda em Demografia pelo Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas, Unicamp. Formada em Ciências Sociais pela mesma
instituição, acredita no potencial transformador do ensino e da pesquisa
para oferecer respostas às questões sociais. Contato:
flavialongo@nepo.unicamp.br