Por Flávia Longo
Este é o quinto de uma série de textos sobre
algumas das relações que se estabelecem entre dinâmicas de população, estudos
demográficos e questões educacionais. A ideia aqui é trazer algumas reflexões e
possibilidades na abordagem entre educação enquanto nível de escolaridade e a
fecundidade.
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Retomando o primeiro texto da série, lembro aqui
que muitas vezes a relação estabelecida entre Demografia e educação pode ser
dialética. De um lado, os níveis educacionais podem interferir sobre o nível da
fecundidade (número de filhos por mulher); por outro, o próprio regime de
fecundidade pode delinear a população potencial que demandará por vagas no
sistema escolar. Nesse sentido, a queda da fecundidade seria um facilitador da
expansão da cobertura educacional, pois tenderia a aumentar o investimento per
capita (essa afirmação é muito comum nos estudos que avaliam o bônus
demográfico; no entanto, é passível de inúmeras críticas – tema da nossa
próxima conversa!).
A pergunta do título se insere no primeiro grupo
de relações. Acontece que as categorias de níveis educacionais são marcadores
que diferenciam o comportamento, o nível e o padrão das variáveis demográficas
– o que inclui a fecundidade. Diversos estudos apontam para a correlação
negativa entre fecundidade e nível de escolaridade, isto é, uma alta
escolaridade estaria associada a um menor número de filhos e vice-versa.
Uma ressalva a ser feita é que a escolaridade,
sozinha, não é responsável por explicar a diferença do número de filhos por
mulher. Por exemplo, se tomarmos a educação como credencial necessária para o
acesso ao mercado de trabalho, podemos supor que existe uma intersecção entre
nível de escolaridade e renda. Logo, o nível e padrão da fecundidade também
seriam influenciados pela participação e ocupação das mulheres no mundo do
trabalho. Essas duas variáveis, educação e renda, também são corresponsáveis
pela determinação da região de residência, pelo tipo e qualidade dos
equipamentos de saúde a que as pessoas tem acesso. Não podemos esquecer ainda
os diferenciais por cor: as chances de escolarização e de tipo de ocupação são
desiguais entre brancas e negras.
A correlação entre escolaridade e número de
filhos pode ser utilizada para sustentar discursos sobre os “problemas” em se
ter filhos em idades muito novas, onde seria esperado que a fase da vida fosse
dedicada integralmente aos estudos. Isto, pois o primeiro segmento etário nos
cálculos de fecundidade (15-19 anos) é composto por mulheres com maiores
chances de estarem também perfazendo a população de estudantes. O nível de
instrução está associado às diversas transições que uma pessoa vivencia ao
longo da vida, dentre elas, a transição para a maternidade, caracterizada pelo
nascimento de um primeiro filho.
No entanto, mesmo a gravidez na adolescência
precisa ser analisada com parcimônia, pois em determinados contextos sociais, a
maternidade caracteriza uma maturidade que garante às jovens algum status
social – por vezes mais valorizado do que a própria escolaridade.
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Em um trabalho
considerando os dados dos censos demográficos brasileiros (IBGE), de 2000 e de
2010, as pesquisadoras Elza Berquó e Susana Cavenaghi registraram as diferenças
da fecundidade entre os grupos etários. A redução da fecundidade observada no
período deveu-se, sobretudo, à contribuição da parcela das mulheres mais
pobres e menos escolarizadas. As autoras atentam para o cuidado em se olhar
esses dados: a informação sobre o nível de escolaridade corresponde ao momento
da pesquisa do censo e não do momento do nascimento do filho. Outro fator
importante é que mulheres expostas às taxas de maior fecundidade, e que no
entanto puderam melhorar seu status escolar, levem consigo uma taxa de
fecundidade elevada dentre grupos de mulheres mais escolarizadas.
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Por fim, sendo a fecundidade a variável que mais
explica as mudanças nos cenários de projeções populacionais, pesquisadores do
Instituto Internacional para Análise de Sistemas Aplicados (IIASA, Áustria)
consideraram as diferenças de escolaridade nos exercícios de projeção. A tese é
que a educação tem papel determinante no ritmo do crescimento populacional, e
que quanto mais crescem os níveis educacionais, menores são as taxas de
fecundidade, o que implica na redução do tamanho da população. A título de
ilustração, segue abaixo um gráfico indicativo da estimativa do total da
população por nível de escolaridade:
Fonte (source): https://blog.iiasa.ac.at/2014/09/23/9-billion-or-11-billion-the-research-behind-new-population-projections/
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Para saber mais:
Release do livro organizado por Wolfgang Lutz
(2014) com projeções populacionais para 195 países no período 2010-2100. As
estimativas foram realizadas segundo sexo, idade e nível de escolaridade: World
Population and Global Human Capital in the 21st Century.
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Flávia Longo é mestre e
doutoranda em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Unicamp. Formada em Ciências Sociais pela mesma instituição, acredita no
potencial transformador do ensino e da pesquisa para oferecer respostas às
questões sociais. Contato: flavialongo@nepo.unicamp.br
Texto publicado em: https://demografiaunicamp.wordpress.com/2017/05/25/demografia-e-educacao-v-como-a-educacao-interfere-nas-dinamicas-de-populacao-fecundidade/
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