terça-feira, 30 de maio de 2017

Demografia e Educação VI – E o tal bônus demográfico?

Por Flávia Longo
Este é o sexto de uma série de textos sobre algumas das relações que se estabelecem entre dinâmicas de população, estudos demográficos e questões educacionais. Hoje a ideia é problematizar a noção de bônus demográfico.
***
Muito provavelmente você já ouviu a expressão “bônus demográfico”. Se você passou recentemente pelo Ensino Médio, deve ter visto nas aulas de Geografia ou de Sociologia, talvez associado à aula sobre Transição Demográfica. Se você já saiu da escola há um tempinho, deve ter se deparado com o bônus em alguma conversa ou talvez tenha lido em alguma matéria sobre a Previdência Social.
Mas, do que se trata mesmo esse bônus?
Existe um momento único da história de uma população em que a proporção de crianças e idosos é menor quando comparada à população de jovens adultos e adultos. O número de crianças diminui devido à queda da fecundidade e o grupo etário dos mais velhos, em função do aumento da expectativa de vida, vai crescendo em menor ritmo. Isto significa dizer que durante algumas décadas a população terá mais pessoas em idade potencialmente produtiva e menos em idades consideradas dependentes.
***
Você sabia que existe envelhecimento populacional relativo e envelhecimento absoluto?
O envelhecimento absoluto é o mais intuitivo e trata-se do aumento da média de expectativa de vida. O envelhecimento relativo, fruto da queda da fecundidade, é quando o peso proporcional dos idosos é maior em relação ao restante da população.

envelhecimento.jpg 

Fonte da imagem: http://www.revistapanoramahospitalar.com.br/2013-10-conahp-debate-envelhecimento-populacional-nesta-semana-746

***

Para efeitos de cálculo, assume-se o grupo de crianças e adolescentes (0-14 anos) e de idosos (65 anos ou mais) como a parcela dependente da população e toma-se o grupo etário intermediário (15-64 anos) como a população em idade ativa ou que, teoricamente, teria condições de perfazer a força de trabalho. O professor José Eustáquio Diniz Alves (ENCE/IBGE) nos lembra que essa divisão é arbitrária. Existem outras formas de mensurar o bônus demográfico, dentre elas, a estimativa por meio da razão entre produtores e consumidores.

Quando a proporção de pessoas no grupo de 15-64 anos é maior do que os outros dois juntos (0-14 e 65+) ocorre a então denominada janela de oportunidades demográfica. Essa ideia foi trabalhada pelos professores Laura Wong e José Magno de Carvalho (CEDEPLAR/UFMG) no texto que hoje é referência para muitos demógrafos: “Uma janela de oportunidades: algumas implicações demográficas e socioeconômicas do rápido declínio da fecundidade no Brasil” (tradução livre).
De janela de oportunidades para bônus demográfico, está implícito que esse momento populacional teria uma conotação positiva. A palavra “oportunidade” vem da expressão ob portus - os ventos favoráveis que auxiliavam as embarcações a atracarem em seu porto de destino. Ou seja, esse momento populacional configura uma situação favorável, sobretudo para o crescimento econômico e para o ajuste do sistema previdenciário.

Mas, há que se relativizar o atributo de bônus. A ideia de bonificação pressupõe que toda a população ativa esteja em condições de produzir e gerar riquezas. Podemos nos questionar, principalmente, a definição de idade produtiva para o intervalo de 15-64 anos. Quantos desse grupo não estão tendo condições de trabalhar? Quantos aposentados permanecem no mercado de trabalho, porque a aposentadoria não é suficiente para cobrir as despesas? E quantos permanecem porque são extremamente saudáveis e ativos? Quantas crianças e adolescentes precisam conciliar escola e trabalho para ajudar no sustento familiar?

Além da dimensão econômica, a ideia de aproveitamento do bônus também perpassa outras questões. Nossa proposta aqui é explorar um pouco a relação com a Educação. Dentro de uma lógica neoliberal, podemos pensar que a escolarização é pré-requisito de qualificações exigidas pelo mercado de trabalho. Ainda que a escolaridade não seja mais garantia de ocupação no mundo do trabalho, não tê-la pode caracterizar uma situação ainda mais complicada... Outro aspecto a ser mencionado é o tipo de ensino ofertado. A quem se destinam as vagas nos cursos técnicos? E no Ensino Superior? Será que o bônus não teria também suas desigualdades internas?

Quando pensamos em bônus, pensamos também no potencial  da população de adolescentes e jovens. Para que isso se converta em força de trabalho (qualificada) é preciso, antes de mais nada, que essas pessoas estejam vivas. Pode parecer cômico, até mesmo óbvio. Mas, o aproveitamento do bônus requer também que olhemos para as estatísticas de violência e de mortalidade, sobretudo, dentre os jovens. Por exemplo, em trabalho sobre o México, o pesquisador do Colégio do México (COLMEX), Victor Guerrero indicou que o bônus mexicano tem sido perdido para o narcotráfico.

Bourdieu disse que juventude é apenas uma palavra. E como tal, seu significado muda de acordo com o contexto histórico. Hoje, a juventude é também um segmento etário que define, por exemplo, o direcionamento de políticas públicas. E em se tratando de bônus, é preciso uma análise mais compreensiva e abrangente acerca da condição juvenil. Não apenas capacitá-los para ocuparem uma posição no mercado de trabalho (e de consumo) – ou garantir que o mercado tenha condição de absorvê-los. É preciso ainda ouvir suas demandas, mesmo que elas estejam nas entrelinhas. No entanto, as estatísticas mostram: a primeira delas é o direito à vida. Com alguma dignidade, se possível.
***
No Brasil a janela de oportunidades está prevista para começar a se fechar a partir de 2030, que é quando a proporção de idosos começa a crescer em relação ao restante da população. Há ainda pesquisadores que tratam da existência de um segundo bônus demográfico, proveniente da melhoria das condições de vida, que permitiria um maior tempo de vida produtiva. Diferente do primeiro, o segundo bônus não teria prazo para terminar.

ageing.jpg
Fonte da imagem (image source): http://www.csstoday.com/Item/538.aspx

***
Para saber mais:

***

Flávia Longo é mestre e doutoranda em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp. Formada em Ciências Sociais pela mesma instituição, acredita no potencial transformador do ensino e da pesquisa para oferecer respostas às questões sociais. Contato: flavialongo@nepo.unicamp.br


Nenhum comentário:

Postar um comentário