Por Flávia Longo
Este é o quarto de uma série de textos sobre
algumas das relações que se estabelecem entre dinâmicas de população, estudos
demográficos e questões educacionais. Hoje o teor é um pouco diferente, pois
conto um pouco da minha trajetória pessoal.
***
Foi com a pergunta do título que dei início a
minha pesquisa do mestrado (2013-2015). Ao longo de dois anos, com orientação e
aulas de metodologia ela foi sendo lapidada, aprimorada aos moldes requeridos
pelo fazer científico. Mas, a essência é esta. Existe uma tendência mundial de
que as gerações mais novas consigam estudar tanto quanto ou mesmo superar a
escolaridade das gerações anteriores. Falo em tendência, porque não é uma regra
absoluta – e ainda são muitos os casos de “imobilidade”, ou seja, quando
diferentes gerações, pais e filhos, permanecem com o mesmo status de nível de
escolaridade.
Acontece que essa pergunta de partida poderia ter
sido respondida dentro de uma pós em Economia, ou Sociologia ou mesmo alguma
área da Educação. Por que optei pela Demografia?
Entrei em contato com as pesquisas em Demografia,
em 2010, na linha de pesquisa sobre Família, Gênero e População, por meio de um
projeto
que investigava as mudanças nas famílias no Brasil. Foi quando aprendi sobre as
transformações no tamanho e na composição das famílias e dos domicílios, e me
perguntei se estas transformações teriam alguma relação com a melhoria das
oportunidades de escolarização das crianças e jovens. A literatura há muito
sinaliza que a escolaridade da mãe é positivamente correlacionada com a
escolaridade dos filhos, e inversamente relacionada ao número de filhos tidos.
(Há exceções:
mulheres muito escolarizadas protelam o nascimento dos seus filhos para poderem
se dedicar a sua formação e ao trabalho. Quando decidem ter filhos, tem dois ou
três em um curto período de tempo).
A entrada teórica e conceitual não era exatamente
demográfica. Tratava com teoria de estratificação social (alô Marx, alô Weber,
alô Boudon!), disponibilidade de capital humano, social, cultural e financeiro
(alô Bourdieu!), reprodução social (alô Durkheim!) e os efeitos da família e
suas transformações (alô Ariès, alô Becker!). E foi neste último eixo teórico
que se estabeleceu a ponte com as mudanças demográficas e a principal crítica
ao trabalho.
As mudanças no perfil da fecundidade e a redução
dessas taxas foram corresponsáveis pela diminuição do tamanho das famílias.
Existe toda uma discussão sobre a razão do declínio da fecundidade, que envolve
a transição urbana, a entrada das mulheres no mercado de trabalho, as
legislações sobre casamentos, uniões e divórcios, o próprio aumento da média da
escolaridade…
Um risco em se assumir a redução da fecundidade
para ajudar a responder à pergunta é o de reificar um modelo onde famílias
pequenas e poucos filhos são o ideal. Isto pode ser acusado de sustentar uma
lógica economicista onde muitos filhos podem ser sinônimos de dificuldades
econômicas. Eles competiriam pelos recursos escassos, sendo que seu sexo ou
mesmo ordem de nascimento poderiam justificar seu acesso aos estudos. Por
exemplo, em pesquisa sobre mobilidade educacional em Taiwan,
as meninas eram destinadas ao casamento, sendo que o filho mais velho era o que
tinha mais chance de ser enviado para a escola. No Brasil, em um passado
recente, já foi observado o contrário: as meninas teriam mais chance que os
meninos, e os filhos mais novos teriam melhores condições de frequentarem a
escola. Mas, se voltarmos nosso olhar para um passado mais distante, veremos
que as meninas tinham poucas chances de estudar, que as condições para
frequentar a escola eram um privilégio e quando muito, os filhos homens das
classes mais abastadas é quem poderiam estudar e almejar uma formação no Ensino
Superior.
Essas mudanças no contexto histórico perfazem
outras variáveis que ajudariam a explicar as chances de um filho ou filha
estudar mais que seus pais. Cada geração foi formada em um período específico,
com legislações de acesso e obrigatoriedade escolar próprias, com composição
familiar única. Estas características todas dialogam com uma abordagem muito
cara à Demografia, que é a de curso de vida, das trajetórias estudantis,
laborais e familiares – que não podem ser analisadas sem a observação dos tempos
cronológico e social (tema para outra conversa! Tive o privilégio de cursar uma
universidade pública. Meu pai fez faculdade particular em idade mais avançada,
minha mãe se formou também em instituição privada, no ano em que ingressei no
ensino superior. Meus avós paternos tampouco cursaram o grupo escolar, minha
avó materna só pode estudar depois que se aposentou e se formou na faculdade em
2011 e hoje, aos 68 anos cursa pós-graduação. A minha história familiar ilustra
pelo menos dois pontos: de que o nível de escolaridade não é estático e eles
podem mudar ao longo da vida e, que mesmo a noção de superação da escolaridade
dos mais velhos precisa ser relativizada).
Vemos que não apenas a redução da fecundidade
poderia explicar as chances de escolarização, mas também as políticas públicas,
a região de residência, a idade da mãe e mesmo a cor das pessoas – sim, no
Brasil, a herança de um período colonial-escravista deixou profundas marcas de
desigualdade que ainda permanecem. Outro aspecto que interfere na análise da
mobilidade educacional é a natureza dos dados. No Brasil, a maioria dos dados
disponíveis para este tipo de estudo são transversais, isto é, são uma
fotografia de um determinado momento e não captam as dinâmicas da trajetória
educacional. Mas, nem por isso podem ser desprezados. Uma fonte muito utilizada
é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD/IBGE), que em 1996, teve
um suplemento especial sobre mobilidade social. Logo abaixo, deixo a indicação
de duas pesquisas sobre esse tema no país e uma pesquisa internacional sobre a
transição entre escola e trabalho, feita pela Organização Internacional do
Trabalho com dados longitudinais e que também captam a mobilidade educacional.
***
Para saber mais:
FERREIRA, S.G.; VELOSO, F.A. Mobilidade
intergeracional de educação no Brasil. (artigo).
PASCHOAL, I.P. Mobilidade
intergeracional de educação no Brasil (dissertação).
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Outros textos da série:
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Flávia Longo é mestre e doutoranda em Demografia
pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp. Formada em Ciências
Sociais pela mesma instituição, acredita no potencial transformador do ensino e
da pesquisa para oferecer respostas às questões sociais. Contato: flavialongo@nepo.unicamp.br
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