Por Flávia Longo
Este
é o terceiro de uma série de textos sobre algumas das relações que se
estabelecem entre dinâmicas de população, estudos demográficos e
questões educacionais.
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Antes, uma breve história do nascimento da Demografia:
Muito
antes de a Demografia se configurar enquanto um conjunto de saberes,
com técnicas e métodos próprios, desde que temos registros das
sociedades do Mundo Antigo, temos também registradas diversas questões
demográficas. Por exemplo, uma “proto-demografia” nasce da necessidade
que governos tinham em conhecer e contabilizar seus governados. No Egito
e na China da Antiguidade foram realizados censos com a finalidade de
arrecadar impostos e formar exércitos. Gregos e romanos também tinham
suas preocupações populacionais: os primeiros, mais teóricos, se
dedicaram às legislações; os romanos, por sua vez e por assim dizer,
mais práticos, almejavam o crescimento de sua população, pois esta se
traduzia em exércitos maiores. Contudo, foi só com a formação dos
Estados Modernos, ao longo do século XIX, que a Demografia se constituiu
enquanto disciplina. E foi só após a Segunda Guerra que os países
passaram a demandar por pesquisa demográfica para orientar gestores da
coisa pública. Mas, isto é assunto para uma próxima conversa…
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Essa
pequenina ilustração nos mostra como desde a origem dos Estados e da
vida organizada em sociedade, já existia uma relação entre Estado,
população e políticas públicas. Tudo bem que o termo “políticas
públicas”, enquanto medidas acionadas pelos Estados para enfrentar
problemas percebidos como público, só se consolidou no período pós
Segunda Guerra. Quando olhamos para as sociedades antigas, notamos a
presença de questões públicas, como o aumento da população para formar
exércitos e arrecadar mais impostos, e de medidas para contorná-la, como
leis que incentivassem o casamento entre os mais jovens.
E
hoje, como a dinâmica demográfica é apropriada pelas políticas
públicas? Ou como a Demografia (disciplina) pode contribuir no diálogo
com gestores públicos (policymakers)?
Em 2014 o professor e pesquisador George Martine publicou um texto intitulado com a pergunta “A demografia é útil no planejamento de políticas públicas?”,
onde apresentou três vantagens em se conhecer e se utilizar a
Demografia para o planejamento público. A primeira delas é o fato da
disciplina conseguir mensurar os fenômenos sociais. Diante da magnitude e
escala dos eventos é possível estabelecer ordens de prioridade e
formular políticas mais acuradas. A segunda vantagem é o da elaboração
de projeções e tendências futuras, pois a inércia demográfica é mais
estável que os contextos políticos e econômicos. No que tange à
Educação, por exemplo, ao termos as taxas de fecundidade e as de
mortalidade infantil, podemos estimar quantas crianças entrarão no
sistema escolar em 6 anos; ou a demanda por vagas universitárias em
18-20 anos. A terceira, por fim, está baseada no caráter
interdisciplinar da Demografia que ao unir conhecimentos da Estatística,
da Economia e das Ciências Sociais permite manipular os dados e
elaborar uma visão sobre a sociedade sob múltiplas dimensões.
Martine
cita ainda casos em que o desconhecimento demográfico levou a políticas
públicas desastrosas, socialmente e economicamente. Destaco aqui um
exemplo da Educação brasileira: desde o Censo brasileiro de 1980 há uma
tendência de estreitamento da pirâmide populacional. No entanto, as
políticas elaboradas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) em
meados dos anos 90, trabalhavam com projeções de 2,5% ao ano. Como
consequência, o MEC dedicou-se a construir escolas, quando na prática
houve redução da demanda por quantidade.
Um outro exemplo do risco em se ignorar as perspectivas demográficas foi dado por Samir KC e demais autores,
em 2010. O Objetivo Nº2 das Metas do Milênio, estipuladas no ano 2000
pelas Nações Unidas visou à erradicação do analfabetismo e à promoção da
melhoria da qualidade da educação básica “para todos”, como resposta à Conferência de Educação para Todos,
ocorrida dez anos antes. Se os formuladores dessa meta tivessem
considerado a inércia demográfica, era provável que houvessem ampliado a
conquista dessa meta para além do ano de 2015
No texto
anterior vimos um exemplo do argumento demográfico sendo utilizado para
justificar a medida de reorganização e fechamento de escolas estaduais
em São Paulo. E também vimos os problemas que decorrem quando reduzimos o
conhecimento demográfico à sua dimensão meramente numérica, distanciada
das questões sociais.
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Os
casos acima são, na verdade, espécies de contra exemplo, do que
acontece quando subestimamos o conhecimento demográfico na formulação de
medidas para contornar um problema percebido como público. Mas, nenhum
deles responde a nossa segunda pergunta, de como a Demografia pode
dialogar com os gestores públicos.
Embora não consiga oferecer uma resposta fechada (gosto mais é das perguntas!), fico imaginando: do modelo de ciclo
de vida das políticas públicas, onde o conhecimento demográfico poderia
entrar? Ela é um ator? Ou ela serve apenas à caracterização do
público-alvo? Ou seria a própria dinâmica demográfica percebida como um
problema público? Ela pode ajudar na construção de indicadores de
avaliação das políticas?
Tenho
a percepção de que estas respostas não se restringem ao conhecimento
acadêmico. Penso mesmo que se trata da construção de pontes entre
pesquisadores, gestores, juristas e representantes civis. E que este
espaço semanal possa ser um espaço para a construirmos esse diálogo.
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Para saber mais:
Me
propus a escrever sobre algumas relações entre Demografia e Educação,
sendo que o texto de hoje se aproximou de políticas públicas que
envolvem uma dimensão educacional. Há outras, como a política de cotas,
de acesso ao ensino superior e de progressão continuada.
Geralmente
quando se trata de políticas em Demografia, são políticas de população:
controle ou estímulo da fecundidade, de fluxos migratórios, campanhas
para evitar a mortalidade infantil e juvenil. São políticas que sempre
tangenciam a perspectiva de gênero. Existe ainda uma discussão sobre
políticas de população ou para população – e mesmo do que se entende por
política nessas áreas.
Para não estender muito, segue abaixo algumas referências para temas mais amplos entre Demografia e Políticas Públicas:
Haroldo da Gama Torres: Informação Demográfica e Políticas Públicas na Escala Regional e Local , 2005.
Nota da UNFPA sobre políticas de população.
Fernando de Holanda Barbosa Filho, em texto sobre Demografia e Política, 2014.
Nota do IPEA, sobre Desigualdade e Demografia.
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Outros textos da série:
Texto 2
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Flávia Longo é mestre e doutoranda em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp. Formada em Ciências Sociais pela mesma instituição, acredita no potencial transformador do ensino e da pesquisa para oferecer respostas às questões sociais. Contato: flavialongo@nepo.unicamp.br
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